quarta-feira, 16 de maio de 2012
O mestre Oculto
Na sala havia dois detalhes aparentemente sem importância...
A minha mente evocou momentos passados enquanto o cão ladrava persistentemente...
A forma de Chi-Kung estava bem em termos de estrutura... o cão primeiro curioso... depois relaxado e depois assustado entrara em sintonia com o medo em mim...
Não é todos os dias que treinamos numa clareira, baixo um carvalho, rodeados de verde e com a música de meditação fluída que se deseja... o dia correria simplesmente belo... só o cão se comportava de forma estranha... nunca fizera aquele aspavento... fora sempre silencioso e até "compreensivo (se se pode dizer isto de um cão de rua adoptado numa quinta...
A forma fluía... centrar o Chi, empurrar o Chi...
Quando se abriu o movimento de respiração inicial, o cão desbandara da minha beira, fugira para uma distância de margem de segurança e iniciara as suas salvas de latidos... convocando os amigos dos arredores e chamando a atenção do jardineiro que a essa hora da manhãzinha já trabalhava fazia algum tempo...
O primeiro detalhe da sala de treino era uma jarra, num canto na lateral de onde o professor de colocava. Sempre com flores, evocava a presença de todos aqueles que haviam dado a sua vida pelas artes marciais...
Tantas vezes essas presenças benéficas se fundiram na minha própria vivência ao longo destes anos no caminho... tantas vezes a energia dos companheiros se misturou na minha fazendo um todo maior...
Hoje - no entanto - a mensagem era outra. Havia algo mais...
Um pequeno entalhe de mármore na parede, onde havia muitas vezes uma maçã sobre um pano de tecido imaculado. Quando lhe perguntavam ao mestre o que significava ele perguntava acerca das duas respostas possíveis: a primeira - como os alunos corriam com uma velocidade estonteante durante o aquecimento, a maçã garantia que o paninho não voasse. A segunda é que a maçã ficava muito bem no sítio onde estava e isso era um acréscimo à estética da sala...
O cão perseverava... a minha atenção consciente - nas primeiras horas da manhã e em plena forma de Chi-Kung, vagava entre a energia que o cão e eu gerávamos ao entrar em sintonia com o desagrado e o centro consciente dos movimentos, fluidez da forma, a música que se modulava detrás de mim e as árvores, sons dos pássaros, fluidez de movimentos que se fazia extensão para o todo envolvente... sendo que a minha percepção se diluía nessa energia e dela se alimentava...
O jardineiro aproximara-se... o cão ganhara fôlego e subira pela parede de erva que se encontrava na diagonal à minha esquerda, fora do campo de visão.
Começavam os exercícios "Yang" de Kung-fú tónico.
Os primeiros Taos de força encadeados em sequência. O cão latia mas sentia-se ameaçado... avançava e recuava quando antes estivera fixo no seu lugar emitindo a sua sintonia ao ladrar...
Entramos nos Taos de maior fluidez e variedade técnica, onde os primeiros elementos de animais (tigre, cobra, garça) se diluem nos elementos mais básicos. A minha percepção afundava no Tao e o cão esvaí-se na distância.
A certo momento, a música de meditação parou, eu segui na aplicação dos Taos... agora de camisa branca e calça preta... o cão havia desaparecido...
Primeiro sereno, depois assustado, depois desafiador finalmente indiferente... o meu companheiro de treino havia cumprido o seu papel. Juntos crescêramos na prática.
A segunda lembrança da sala do mestre era a placa gravada que se encontrava por debaixo do local onde, por vezes, aparecia a maçã:
"Ao Grande Mestre Oculto".
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